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EFEITOS ALEATÓRIOS

31 julho, 2012

MATUTOS URBANOS

Vivo enfurnado na brenha
Lá da serra triunfense
Mas não me julgue, não pense,
Não me condene, nem venha
Com sua língua ferrenha
Dizer que sou um inculto
Sem modo e sem atributo
Preste atenção nesse fato
Só porque moro no mato
Não pense que eu sou matuto

Não gosto muito de festas
Dessas que tem na cidade
Mas por curiosidade
Resolvi ir uma destas
Estava um frio das mulestas
Era o tempo do inverno
Pode escrever no caderno
O que agora vou contar
Vi matuto pra danar
Naquele forró moderno

Botei um terno novinho
E meu casaco de lã
De procedência alemã
Além da calça de linho
Fiquei lá em meu cantinho
Olhando jovens passando
Era o chuvisco torando
E o povo quase despido
Eita, moda sem sentido
Essa que estavam usando

Os jovens achando graça
Do meu vestir demodê
E eu tentando entender
Tanto palhaço na praça
Deve ser uma desgraça
Ser escravo do modismo
Ter que aderir ao nudismo
No frio e achar bonito
E tome frio no cambito
E agressão ao organismo

Um rapaz todo molhado
Riu do meu terno e gravata
Ele com blusa regata
E eu bem agasalhado
Ele todo afrescalhado
De calção naquela chuva
E eu de bota e de luva
Sendo tema de chacota
Pobre daquele idiota
Se achando o mandachuva

Para evitar bate-boca
Do rapaz me afastei
Foi quando me deparei
Com outra cocóta louca
Que me falou quase rouca
Saia da frente, matuto
Não rebati o insulto
Pra mostrar educação
Pois vim pra festa e não
Participar de um tumulto

Mas vou falar da menina
Pois chamou minha atenção
Sua triste aparição
Bem no meio neblina
Toda encolhida e mofina
Mas vestindo costa nua
Manquejando pela rua
De salto no calçamento
Se achando um monumento
Na inocência só sua

Mais incerta que o destino
A saia que ela vestia
Além da popa se via
O coração e o intestino
E aquelas pernas, menino,
Roxas, tortas e geladas
No freezer das madrugadas
Eram picolés sem gosto
Pra combinar com seu rosto
E suas mãos enrugadas

Sua blusa, fino afã
Sem manga, mas com decote
Que deixava ver o dote
Dos seios sem sutiã
E os peitos da cidadã
Embora murchos, acesos,
Com seu dois biquinhos tesos
Das mamadas do arrepio
Ia tremendo de frio
Cruzando os braços obesos

Nem pra dançar o forró
Aquele traje ajudava
Pois toda vez que dançava
Seu tamanco alto que só
Dava nas pernas um nó
Então a blusa caía
Ou o saiote subia
Mostrando mais que o balé
A embalagem e até
A fina mercadoria

Dou valor a um decotado
E um buxinho de fora
Mas tem o canto, a hora
E o clima apropriado
Se é verão, vou danado
Ver as mocinhas no poço
Mostrando o umbigo e o dorso
Mas no inverno é diferente
Aconselho francamente,
Roupa de frio, seu moço.

Mas pra seguir a tendência
E poder compor a roda
Vale o que reza a moda
Mesmo sem inteligência
Não entendo essa ciência
Fico até estupefato
Quando me chamam de pato
E esnobam meu figurino
Dizem que é desatino
De quem reside no mato

Vestir uma minissaia
Pra seguir a procissão
É tal qual usar gibão
Pra frequentar uma praia
Merece é riso e vaia
Minirroupa na frieza
Onde é que fica a beleza
Da roupa inadequada
Dessa moda estropiada
Que me olha com estranheza?

Se você também já viu
N’alguma festa ou lugar
Em um calor de lascar
Alguém com roupa de frio
Que o seu casaco vestiu
Só pra mostrar que é seu
Se no frio também sofreu
Por pouca roupa trazer
Então não venha dizer
Que o matuto sou eu.

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